Simone Albiero da Silva, diretora da escola pública
 EMEF Prof° Henrique Pegado
Por Agência Etcetera

   Aulas de teatro e Slam. Essa parece ser a programação de um centro cultural ou, até mesmo, de uma escola de artes mas se trata da grade da escola pública Emef Professor Henrique Pegado. Enquanto a disciplina de Artes deve ser retirada da grade obrigatória, de acordo com a Reforma do Ensino Médio, esse colégio vai na contramão. Tudo isso graças a iniciativa de Simone Albiero da Silva, 45 anos, professora formada pela Cefam e diretora da instituição.

   A diretora se declara uma amante da cultura e acredita fielmente que ela é uma forte aliada da educação: ‘’Nós procuramos ampliar o repertório cultural dos alunos e as possibilidades de reconhecimento do que nós temos de cultura na sinal, embora o bairro não tenha muitas coisas próximas. ‘’Defende que as aulas de teatro e Slam ajudam os alunos e professores a se expressarem melhor, e que o último tem, até mesmo, propriedades terapêuticas. Confira nossa entrevista com a educadora. 

Fazendo Arte: Quais atividades culturais vocês realizam com as crianças?

Simone Albiero: As atividades culturais que nós realizamos com as crianças, normalmente, são de caráter esportivo, teatral e temos um projeto chamado Slam. Também temos atividades de apresentações de espaços públicos e privados. Existem algumas exposições em bancos e instituições privadas que, dependendo da qualidade do conteúdo, nós costumamos levar. Nós já fomos a vários museus, parques, teatros e exposições. Algumas vezes, nós somos chamados para apresentações culturais, com danças, espetáculos musicais e programas de auditórios. Nós procuramos ampliar o repertório cultural dos alunos e as possibilidades de reconhecimento do que nós temos de cultura na sinal, embora o nosso bairro não tenha muitas coisas próximas.

FA: Não é comum depararmos com aulas de Slam. Como foi desenvolvido a abordagem dessa atividade na escola?

SA: Eu conheci o Slam em 2016.Quem apresentou essa atividade na nossa escola foi uma professora de português, que trabalhou com isso em outra instituição e trouxe para nossa escola. Em 2017, nós passamos a fazer isso como um projeto ao longo do ano, foi muito gratificante a sensação de estar dando para os alunos uma outra ferramenta, de poder se expressar como eles queriam. Alunos que não gostam de esporte, se acharam no Slam e no teatro, que também é uma atividade forte na nossa escola. Mas o Slam me surpreendeu, porque alunos que não escreviam, e começaram a se inspirar no Slam para escrever e colocar para fora suas angústias, sensações e impressões do mundo. O que acontece, normalmente, é que não é uma política pública, então nós acabamos tendo contato com o Slam das outras escolas e instituições através de ONGs e centros culturais que existem nos bairros próximos. O Slam, pela forma terapêutica que conduz as pessoas, tem sido abraçado pela saúde, então precisamos sair da educação para encontrar essas possibilidades. O Slam é assim, veio pra educação porém foi criado por grupos que estavam fora e que fizeram que a gente visse que ele é muito potente fora da escola, então nem todas as escolas inseriram esse projeto. Já estamos inseridos a 3 anos nesse trabalho, conhecemos e aprovamos de fato esse movimento. 

FA: Como as aulas de teatro auxiliam na formação dos alunos?

SA: Em 2013, quando eu cheguei na escola, fiz uma análise e percebi que a escola era meio quadrada em relação ao ensino, dificultando na hora de dar feedback dos resultados.. Pensamos em várias possibilidades para trazer os alunos para o mundo do estudo e conhecimento, e nesse percurso, ao conversar com eles, eu percebi que existia um interesse muito grande em relação ao teatro. Em 2014, apareceu um grupo que quis apresentar um teatro e após isso, pelo sucesso, as professoras saíram para fazer cursos de aprimoramento. Em 2017, nós tivemos nossa primeira Mostra de Teatro que também foi um sucesso e sensibilizou toda a comunidade! O teatro, assim como Slam, é um forma poética, verbalizada e também escrita, pois quem escreve são os próprios alunos. É uma forma dos alunos se expressarem. A arte na nossa escola é muito viva, é uma forma de expressão entre os alunos e professores. Eu vejo a arte que nós tratamos nessa escola como algo potente e que demanda uma riqueza e uma surpresa a cada peça, a cada leitura, nos trás um lado humano super importante. 

FA: Você acha que todas as escolas públicas deveriam ter aulas voltadas à cultura?

SA: Eu tenho certeza que a cultura é essencial para o trabalho de qualquer estabelecimento de ensino, até porque todo conhecimento adquirido pela ciência, ela passa pela cultura de povos que foram adquirindo esse conhecimento. A cultura é a precursora de tudo ao meu ver e ela torna a sociedade e as pessoas criativas. Eu penso e cada vez mais tenho certeza que a cultura é algo inerente a escola, indissociável.. Se você quer que uma escola caminhe, você tem que valorizar a cultura, não só a erudita, eu creio que nós devemos tentar fazer uma ampliação do repertório, mas também precisamos pegar um pouco de cada cultura para nos apropriarmos. Isso faz com que nós nos aproximemos uns dos outros! Sem dúvidas as escolas precisam ter a cultura como um ponto importante. 


A cultura é a precursora de tudo ao meu ver e ela torna a sociedade e as pessoas criativas. Eu penso e cada vez mais tenho certeza que a cultura é algo inerente a escola, indissociável.
Alunos da rede pública se destacam e ganham mérito por isso na escola.

FA: Pra você, qual é a importância da cultura na formação das crianças/adolescentes?

SA: A criança que é formada em um mundo cultural amplo, com um repertório variado, ela consegue analisar o mundo que ela vive. Nesse meio, nós percebemos que existem algumas famílias que ficam concentradas em alguns tipos de culturas, muito imersos em uma certa religião, muito imersos em uma certa comunidade, elas não conseguem enxergar outras possibilidades, parece que o mundo se reduz naquele mundo social que elas vivem, então quando as crianças são realmentes submetidas e expostas, onde acabam se deparando com outras culturas e não só a do âmbito familiar, isso trás uma importância para a formação e rompimento de questões que elas não concordavam em relação às famílias.. A cultura, ao meu ver, é aquilo que rompe um ciclo muito fechado em questões familiares. 

FA: Qual a maior dificuldade de um educador no Brasil?

SA: Muitas vezes o professor/educador para no tempo porque já fez uma faculdade, não faz cursos e não procura outras formações. Hoje o educador tem como desafio a consciência da importância do papel dele. Nós não somos uma gotinha de água no oceano, nós somos uma luz no fim do túnel para transformar pessoas que vão transformar o mundo. Nós não transformamos o mundo, nós transformamos pessoas.

FA: O que você acha da nova grade escolar que mudará ano que vem?

SA: Para mim é mais uma propaganda de governo e não é algo potente. Infelizmente, as pessoas estão discordando de algumas coisas e o governo está ignorando. Eles fazem cálculos baseados na economia, como se a educação fosse um gasto e quando a educação é vista como uma despesa qualquer reforma tende a dar errado. As pessoas da base não são escutadas. Eu não vejo grande poder de transformação nessa nova grade, que eu vejo que é nada nova. Eles estão tirando aulas de matérias que fazem pensar, porque querem alunos e uma sociedade mais calma que eles possam comandar e eu acho que isso não é mais possível. O Brasil já tem hoje uma grande quantidade de pessoas muito críticas e que vão lutar contra isso, então não acho que essa nova grade vai surtir muito efeito. 

FA: Quais são as maiores dificuldades que uma escola pública enfrenta?

SA: O governo entende a educação como um gasto e não como investimento, mas não porque não acreditam em educação, pois sabem da força dela, mesmo assim nós temos que nadar contra a maré. O desejo não é apenas por uma educação, eles querem ganhar dinheiro.O desafio da escola pública é mostrar que ela tem qualidade, que ela tem poder, que ela tem força, mas isso a mídia não mostra, mostra apenas os fracassos. O governo quer vender uma escola ruim. A escola pública hoje é visto como algo ruim, o maior desafio para nós é mostrar um trabalho de qualidade. 

FA: Você acha que em uma escola que possui apenas disciplinas como português e matemática dificulta o desenvolvimento do aluno?

SA: Português e Matemática são importantes, assim como qualquer outra disciplina. Porém não dá pra fazer uma educação apenas com algumas disciplinas, é insuficiente. A maioria são ligadas a cultura e a arte. É muito interessante ampliar esse movimento. Os conhecimentos são interligados e nós precisamos adquirir todos. Vale lembrar que nós estamos caminhando para um período que não valoriza todas as disciplinas e isso não pode ser um empecilho para nós. Precisamos entender que tudo são complementos para o nosso conhecimento básico e geral, precisamos agregar conhecimentos de todas as matérias que existam. 

FA: Como seria uma escola ideal para você? 

SA: Seria uma escola que nós tentamos construir no dia a dia, uma escola realmente verdadeira, onde o que eu quero pro meu aluno é o que eu quero pro meu filho, o que eu peço pra ele eu faço. Uma escola que é prioridade na vida profissional, de quem atua e passará a ser prioridade para quem está recebendo o dia a dia, o contato, a reflexão, essas possibilidades que a escola dá. Uma escola diversificada, uma escola que não tenha um método quadrado, que ofereça possibilidades, projetos, atividades diferentes, dinâmicas. A escola ideal é alegre, agradável para todos. Uma escola que torne pessoas que colaboram umas com as outras, que acreditem na mudança e aprendizado uns dos outros. Uma escola, assim como dizia Paulo Freire, que tem esperança de fazer acontecer. Uma escola ideal passa por uma sociedade ideal. Pode parecer distante, mas com um aglomerado de pessoas boas pode ser possível. Quando o universo é o limite nós não paramos por pouca coisa.


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